Com diversas modificações, a MP 1153/2022 (que vigorava desde 31/12/2022) foi convertida na Lei 14.599/2023, que vigora desde 20/06/2023 com relevantes alterações na legislação dos seguros relativos ao transporte rodoviário de cargas. E assim, como segue esclarecido, muitos dos efeitos seguirão se apresentando, muito dependendo da regulamentação (notamente SUSEP e ANTT) e do comportamento dos agentes econômicos envolvidos.
Com as novas regras passa a ser dever dos transportadores rodoviários de cargas (habilitados junto à ANTT, pelo respectivo RNTRC) a contratação de seguros obrigatórios. E tal dever se reverterá em proteção e oportunidade de negócio do transportador, na medida de sua maturidade e de sua posição junto a seus clientes e a sua seguradora.
O transportador e seu dever legal de contratar os seguros RC-TRC, RC-DC e RC-V
Passa a ser dever legal do transportador rodoviário de cargas a contratação de seguintes seguros:
I – RC-TRC (Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga, para cobertura de perdas ou danos causados à carga transportada em consequência de acidentes com o veículo transportador (e não fora dele), decorrentes de colisão, de abalroamento, de tombamento, de capotamento, de incêndio ou de explosão;
II – RC-DC (Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga), para cobertura de roubo, de furto simples ou qualificado, de apropriação indébita, de estelionato e de extorsão simples ou mediante sequestro sobrevindos à carga durante o transporte (tal como previsto no documento fiscal que o acoberta);
III – RC-V (Responsabilidade Civil de Veículo), para cobertura de danos corporais e materiais causados a terceiros pelo veículo automotor (e não semirreboque) utilizado no transporte rodoviário de cargas.
Dessa forma, a NTC & Logística está sugerindo que as empresas de transportes incluam em suas planilhas de custos um novo componente tarifário: a TSO (Taxa de Seguro Obrigatório). De um lado o transportador poderá assumir protagonismo na negociação dos prêmios e das condições securitárias; mas de outro lado, o transportador terá o dever legal de contratar tais seguros, cujos custos, portanto, passam a ser mais um item de negociação e contratação obrigatória com seus clientes.
Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR)
Segundo a nova Lei, o PGR, aplicável aos seguros RC-TRC e RC-DC, deve ser estabelecido de comum acordo entre o transportador e sua seguradora, sem prejuízo de eventuais obrigações ou medidas adicionais pactuadas com o contratante do transporte, arcando este com todos os custos e despesas inerentes a elas.
Com isso, o propósito da nova Lei é de que os transportadores não se sujeitem a condições operacionais desarrazoadas e impraticáveis.
Dispensa de Direito de Regresso (DDR)
Tendo culpa presumida quanto a perda ou a desaparecimento de cargas durante o transporte, o transportador fica exonerado da responsabilidade quanto a tais eventos apenas em casos de hipóteses previstas legalmente (art. 12 da Lei 11.442/2007) ou por ato inequívoco de quem tenha titularidade para reclamar os prejuízos de tais eventos (tal como o dono da carga, o contratante ou a seguradora), exonerando o transportador.
Assim, há a chamada “Dispensa de Direito de Regresso” quando certa pessoa, que cumpriu seu dever (legal ou contratual) de cobrir prejuízos de certos eventos, dispensa seu direito de, em regresso, buscar a reparação em face daquele que tiver sido o responsável pelo evento danoso.
Antes das novas regras, contratantes de transportes usualmente contratavam apólices de seguro de perdas, danos e desaparecimento de cargas, e assim, eles e suas seguradoras então poderiam fornecer cartas de “DDR” para exonerar o transportador quanto a prejuízos advindos daqueles tais eventuais eventos.
Entretanto, como se sabe, tão complexas, múltiplas e inexequíveis eram (e são) as condições operacionais exigidas nas tais “DDR’s”, que estas sempre se mostram como cartas de exceções à dispensa de responsabilidade, ou pior, quase cartas de assunção de responsabilidade pelo transportador.
Os seguros obrigatórios RC-TRC e RC-DC
Sobrepondo-se às antigas normativas da SUSEP, a nova Lei exige que cada um dos seguros RC-TRC e RC-DC sejam contratados mediante apólice única para cada segurado (conforme seu respectivo RNTRC), sendo que todos embarques devem ser averbados.
De outro lado, diante da contratação do frete, é direito do proprietário da mercadoria exigir do transportador a cópia da apólice de seguro, com suas condições, prêmio e gerenciamento de risco contratados.
Ainda, o proprietário da mercadoria, contratante do frete, independentemente dos seguros RC-TRC e RC-DC, poderá, a seu critério, contratar o seguro facultativo de transporte nacional para cobertura das perdas e danos dos bens e mercadorias de sua propriedade. Entretanto, ele arcará com todos os custos e despesas inerentes a elas, ao passo que eventuais obrigações ou medidas de gerenciamento de riscos devem ser previamente pactuadas, aceitas, pelo transportador.
Em caso de prejuízos por sinistros cobertos pelos seguros RC-TRC e RC-DC
Como ótima novidade, agora está previsto que a fixação de prejuízos advindos à carga transportada deve se dar por vistoria conjunta do contratante do frete, do transportador, e das seguradoras cujas apólices estiverem previstas no documento de embarque do transportador (por ora, CT-e ou MDF-e, sendo que a ANTT não mais exige essa informação, conforme sua Resolução 5.982/2022).
O seguro obrigatório RC-V (Responsabilidade Civil de Veículo)
O RC-V poderá ser feito em apólice globalizada que envolva toda a frota do segurado, com cobertura mínima (i) aprox. R$ 227.500 para danos corporais (35.000 DES – direitos especiais de saque – fixados pelo FMI), e (ii) de aprox. R$ 130.000 (20.000 DES) para danos materiais.
Em caso de subcontratação do TAC – Transportador Autônomo de Carga
Os seguros RC-TRC e RC-DC deverão ser firmados pelo contratante emissor do conhecimento de transporte e do manifesto de transporte, sendo o TAC considerado mero preposto de tal transportador contratante, não podendo a seguradora responsabilizar o TAC, ainda que este seja o responsável por dano ou desaparecimento da carga.
O seguro RC-V também deverá ser firmado pelo contratante do serviço, por viagem, em nome do TAC subcontratado.
A proteção do valor do frete do TAC (e do transportador a ele equiparado)
Para evitar que os custos dos seguros acima recaiam sobre o transportador autônomo, o novo artigo 13-B da Lei 11.442/2007 impede expressamente que contratantes do transporte descontem do valor do frete do TAC, ou de seu equiparado, valores referentes a taxa administrativa e seguros de qualquer natureza, sob pena de terem que indenizar ao TAC o valor equivalente ao dobro do frete contratado.
É previsão similar à prevista para o Vale-Pedágio Obrigatório, que, entretanto, é direito de todos os transportadores rodoviários de cargas.
Seguros facultativos
Por fim, a contratação dos seguros obrigatórios acima não exclui, nem impossibilita a contratação facultativa de outras coberturas para quaisquer perdas ou danos causados à carga transportada não contempladas nos referidos seguros.
Apólices vigentes antes da nova Lei
Diante das novidades, a princípio, seguiram intactas e válidas as apólices de RCTRC contratadas até 20/06/2023, quando passou a vigorar a Lei 14.599/2023, de forma que apenas apólices contratadas posteriormente devem observar as novas regras. A posição majoritária nos Tribunais é no sentido de que o advento de novas leis não altera prontamente contratos de adesão, como o de seguros, que seguem válidos até seu pleno cumprimento.
Portanto, algo diferente disso só ocorrerá por acordo entre as partes, por normatização da SUSEP, ou mesmo por eventual decisão judicial.
Cabe ao transportador se posicionar e conscientizar demais agentes (clientes, seguradora e corretores) quanto às novas regras, de forma que, em casos de divergências, poderão ser provocados os responsáveis pela conformidade (compliance) das empresas envolvidos.
Mais informações: [email protected]