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Viracopos faz as contas para ‘salvar’ concessão

 

Concedido à iniciativa privada como um projeto de perspectivas grandiosas para atender ao crescimento da aviação brasileira nas próximas décadas, o aeroporto de Viracopos (SP) convive hoje com incertezas em torno do futuro imediato das suas operações.

Com uma demanda de passageiros quase 50% inferior à prevista pelos estudos oficiais para 2016, a concessionária Aeroportos Brasil Viracopos (ABV) pede o reequilíbrio econômico-financeiro  do contrato em R$ 450 milhões e teme os efeitos da medida provisória que permite a rescisão de privatizações feitas no governo da ex-presidente Dilma Rousseff. A MP sai nos próximos dias.

Quando o terminal de Campinas foi leiloado, no início de 2012, ninguém se atrevia a sonhar baixo. Nenhum país do mundo tinha uma expansão tão acelerada no setor aéreo e a ideia era um megaprojeto tomando gradualmente o papel hoje exercido por Guarulhos, que enfrenta limitações físicas para crescer.

Os estudos divulgados pelo governo jogaram as projeções de demanda nas nuvens: o aeroporto teria 90 milhões de passageiros na reta final do contrato de concessão – 50% a mais do que Frankfurt, uma das principais portas de entrada da Europa, recebe hoje em dia. Para dar conta de tantos voos, previa-se a construção de mais três pistas. E, se o papel aceita tudo, valia a pena caprichar: seria ali uma das estações do malfadado trem-bala entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro. “Aqui ficará o grande aeroporto deste país. Ligado ao trem de alta velocidade”, discursou Dilma, em uma de suas visitas à cidade do interior paulista.

Os sonhos de grandeza chegaram à iniciativa privada. Marcelo Odebrecht queria Viracopos para sua empresa e tinha planos de transformá-lo em um aeroporto-cidade, mas não abriu suficientemente o bolso. Foi surpreendido pelo lance ousado do consórcio formado por UTC, Triunfo e a francesa Egis. O trio ofereceu um ágio de 159% sobre a outorga mínima estabelecida pelo governo.

Os sonhos de grandeza continuaram. As cláusulas do edital exigiam um novo terminal com capacidade para 14 milhões de passageiros por ano, mas o consórcio vencedor aumentou essa estrutura para 25 milhões de passageiros. Havia, porém, uma recessão no meio do caminho.

Concessionária  precisa pagar R$ 182,5 mi em outorga, daqui a dois meses, mas por ora só tem R$ 40 mi em caixa. 

Em 2016, pela primeira vez desde que assumiu o aeroporto, a concessionária vê retração da demanda. Os trimestres anteriores já haviam mostrado quase uma estabilidade. A movimentação de cargas diminuiu 11% entre janeiro e setembro.

O ano deve fechar com 9,3 milhões de passageiros – 45% menos do que indicavam os estudos de viabilidade contratados pelo governo antes dos leilões. Esses estudos serviam como mero parâmetro para as empresas interessadas no aeroporto, pois cabe ao empreendedor assumir os riscos do negócio, mas dão uma boa medida da frustração.

Com um de seus acionistas no centro da Operação Lava-Jato e outro atolado em dívidas, a concessionária de Viracopos ignorou o pagamento da parcela anual de outorga que deveria ter quitado em abril. Está inadimplente e precisa depositar R$ 182,5 milhões em dezembro – novo prazo dado pelo governo – para não agravar sua situação. Tem só R$ 40 milhões no caixa.

Gustavo Mussnich, um engenheiro oriundo da Triunfo, é o presidente de Viracopos desde 2015 e tem como incumbência “consertar” a concessão. Em sua sala, a palavra de ordem do momento é austeridade. As reuniões são movidas a água e café preto, a caneta dos assistentes é uma Bic das mais simples. Os contratos com fornecedores acabaram de ser renegociados. A concessionária demitiu 160 empregados – cerca de 15% do quadro de pessoal que detinha – de janeiro para cá.

Ele e o diretor financeiro, Roberto Guimarães, são taxativos em descartar a hipótese de calote. Segundo os dois executivos, há rigoroso compromisso dos acionistas em fazer os aportes necessários para honrar o pagamento da outorga. Até a Infraero, que manteve participação de 49% na sociedade, estaria comprometida em capitalizar a concessionária.

Mussnich aposta suas fichas, no entanto, em uma decisão favorável ao pedido de reequilíbrio do contrato encaminhado à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Viracopos quer em torno de R$ 450 milhões pela defasagem – calculada para toda a vigência da concessão – nas tarifas de armazenamento temporário das cargas aéreas importadas.

Conhecida como “Teca-Teca”, em referência à abreviação dos terminais de cargas nos aeroportos, essa tarifa foi reduzida para R$ 0,08 por quilo em 2012. A determinação foi dada pela própria agência. Ocorre que o contrato original previa a tarifa em R$ 0,50 por quilo. O valor remunera a concessionária pelas cargas que chegam por Viracopos, mas são redirecionadas depois de alguns dias e cujo desembaraço aduaneiro é feito em outra cidade.

Todo reequilíbrio contratual pode ser feito por meio de extensão do prazo de concessão, aumento das tarifas praticadas ou encolhimento do montante devido em outorga. Viracopos pede à Anac para usar pelo menos R$ 70 milhões dos R$ 450 milhões como abatimento do valor de outorga que precisa pagar em dezembro. Esse montante equivale, conforme seus cálculos, às perdas acumuladas até agora com a defasagem na Teca-Teca.

Para fazer esse encontro de contas, porém, falta um sinal verde da agência. Em parecer preliminar da área técnica, obtido pelo Valor, a Anac calcula o valor total do desequilíbrio em R$ 157 milhões. Há divergências quanto aos volumes de carga e ao tempo de armazenamento, mas a tendência era elevar esse montante.

De acordo com Mussnich, a frustração de receitas da concessionária colaborou decisivamente para a atual situação de inadimplência. Para ele, mesmo com a perspectiva de chegar ao fim da concessão com cerca de metade do volume previsto de passageiros, o negócio ainda faz sentido e só precisa de ajustes. Por isso, ele vê com preocupação a MP que está sendo redigida pelo governo.

“Nos parece que há uma visão muito mais de afastar os atuais concessionários para viabilizar um novo certame”, diz o executivo. “Em linhas gerais, o programa de concessões de aeroportos é uma história de sucesso. Houve melhoria da infraestrutura e da qualidade dos serviços. Por que jogar tudo isso fora? Será que é o melhor caminho?”, questiona.

O Valor apurou, com fontes ligadas aos acionistas, que as tratativas da UTC e da Triunfo para vender suas fatias na concessionária ficaram praticamente congeladas com o fantasma da MP.

Mussnich atribui parte da responsabilidade pelo superdimensionamento do aeroporto ao próprio governo. Segundo ele, houve um “vício de origem” no contrato: a exigência para o novo terminal era de 28 pontes de embarque e desembarque. Quando foi feito o projeto básico de engenharia, verificou-se que era preciso ter uma área superior à inicialmente prevista para atender essa obrigação contratual. Por isso, explica, o terminal teve sobrecapacidade. Um dos três píeres construídos, por exemplo, ainda está desativado por absoluta falta de demanda.

É um erro que não se repetirá com a ampliação de Viracopos no futuro. A construção das novas pistas de pouso é atrelada a “gatilhos” acionados com o movimento de aeronaves. Com menos aviões usando no aeroporto, a obra da segunda pista – orçada em R$ 800 milhões – só começaria em 2026. Nos tempos de euforia, falava-se em 2017. A terceira e a quarta devem ficar só no papel. Afinal, o sonho de grandeza foi interrompido para se ajeitar o travesseiro.

Fonte: Valor.

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