Protagonista na pandemia da Covid-19, quando se tornou alvo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por aprovar o registro de vacinas, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) regula mais de 20% do PIB (Produto Interno Bruto).
O órgão saiu dos holofotes no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e tem como uma das principais pautas de 2024 a decisão sobre manter ou não veto aos cigarros eletrônicos. A discussão está marcada para quarta-feira (17) e a proibição é dada como certa por técnicos.
Hoje formada por quatro nomes indicados por Bolsonaro e uma substituta, a diretoria colegiada da Anvisa terá três vagas abertas até o fim do ano.
A disputa pelos cargos mobiliza congressistas, governo e a indústria justamente porque decisões da agência causam forte impacto em diversos setores privados e em hábitos da população.
O órgão lida com medicamentos, vacinas, dispositivos médicos, agrotóxicos, alimentos e cigarros. Ainda faz a fiscalização sanitária de portos, aeroportos e fronteiras e dá aval para importações.
A Anvisa também controla cosméticos e e outros produtos que são encontrados no varejo. Neste ano, o órgão proibiu a venda livre de álcool 70% líquido, por exemplo.
Folha Mercado
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Estudo elaborado pela Anvisa e pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2014 estimou que 22,7% do PIB era composto por atividades que são reguladas pela Anvisa. A agência avalia que o percentual subiu e cita influência em até 30% da soma de todos os bens e serviços produzidos.
“A Anvisa tem uma peculiaridade, pois formula e executa a política pública. Um exemplo é a atuação em portos, aeroportos e fronteiras, em que a agência edita normas e é fiscal, o agente do Estado na interpelação de viajantes e acompanhamento de cargas com interesse sanitário”, disse o advogado Alex Campos Machado, ex-diretor da Anvisa (2020-2023).
Atual presidente da Compesa (Companhia Pernambucana de Saneamento), Machado afirma que o corpo técnico da agência é qualificado, mas precisa de reforço. “Não tem hoje a infraestrutura capaz de dar toda a consequência que a lei atribui”, afirma.
Para ele, a Anvisa passou a ser reconhecida como exemplo de sucesso entre as agências, principalmente após a pandemia. “O próprio setor regulado não discute a importância da atuação da Anvisa.”
Cabe ao presidente Lula sugerir os futuros diretores da agência. Em seguida, o Senado sabatina e decide se aprova os indicados.
O atual chefe do órgão é o médico e contra-almirante Antonio Barra Torres. Indicado em 2019 à Anvisa, no momento em que o governo queria emplacar um militar para aumentar o controle sobre o órgão, ele chegou a se alinhar a Bolsonaro na pandemia, mas rompeu com o ex-mandatário e se tornou crítico da gestão negacionista.
O mandato do presidente da Anvisa se encerra em dezembro e abre margem para o governo indicar um nome de confiança ao comando da agência.
Na composição atual, a direção é formada por três servidores do próprio órgão, além de Barra Torres e Daniel Meirelles, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde na gestão de Marcelo Queiroga.
“A Anvisa não é apenas importante para a indústria farmacêutica, mas para o Brasil. Precisa de autonomia financeira e adequada estrutura humana e tecnológica para, de forma ágil, atender aos interesses da nossa população, quer em termos de agilidade na concessão de registros, quer na fiscalização dos setores que regula”, disse o presidente do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos), Nelson Mussolini.
Neste ano, Ministério da Saúde e técnicos da agência concordaram em manter o veto aos cigarros eletrônicos. A decisão final sobre liberar ou não o produto será da diretoria colegiada da Anvisa.
Mesmo vetados, esses dispositivos são facilmente comprados em lojas e pela internet. O corpo técnico da agência, porém, considera que liberar o produto iria estimular ainda mais o consumo e diz que não há evidência científica de que o cigarro eletrônico é uma opção menos nociva do que o tradicional.
No caso dos medicamentos, a agência atua principalmente na aprovação do registro dos produtos a partir da análise de diversos estudos e no credenciamento dos fabricantes.
O órgão ainda monitora os fármacos quando estão no mercado e participa da definição de preços por meio da CMED (Câmara de Regulação e Mercados de Medicamentos).
Para agilizar as análises, a Anvisa também tem aprovado regras que permitem aproveitar avaliações já feitas por autoridades sanitárias de outros países.
A Anvisa diz enfrentar falta de equipe e verba. Há 1.667 servidores ativos na agência e a direção do órgão pede concurso para mais de mil vagas, mas conseguiu abrir seleção para apenas 50 novos funcionários em 2024.
A agência estima que 600 funcionários já têm direito à aposentadoria. Em 2007, o quadro do órgão era de cerca de 2.300 servidores.
Os servidores da Anvisa também têm reclamado da falta de pessoal e da relação com a cúpula do órgão. Em junho de 2023, um assessor do presidente da agência foi preso após ser condenado por estupro. O episódio levantou mais relatos de assédio dentro da agência e a criação de comitê para enfrentar este tipo de postura.
O órgão regulador tem orçamento de R$ 904 milhões em 2024, sendo que mais de R$ 600 milhões estão reservados para despesas obrigatórias, como a folha salarial.
Já a verba discricionária da pasta alcança cerca de R$ 220 milhões. Esta parcela do orçamento, que é aplicada em contratos e manutenção de serviços da agência, despencou desde 2014, quando havia R$ 530 milhões disponíveis. O valor foi corrigido pela inflação.
Mais da metade do recurso atual discricionário é usado para bancar aluguel da sede da Anvisa em Brasília e contratos de serviços e tecnologia.
Há apenas R$ 60 milhões para a ação de “vigilância sanitária de produtos, serviços e ambientes”, que custeia a contratação de consultores, despesas de viagens e contratos da área de fiscalização.
Raio-X da Anvisa
- O que é: autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, com sede em Brasília, que faz o controle sanitário da produção e do consumo de diversos produtos, além de realizar a fiscalização sanitária de portos, aeroportos e fronteiras
- Atribuições: regula indústrias de medicamentos, alimentos, produtos para a saúde, agrotóxicos, cigarros, saneantes, cosméticos, além de serviços de saúde, entre outras atividades. Atua desde o registro de produtos até o monitoramento de mercado. Ainda coordena o sistema nacional de vigilância sanitária
- Criação: 1999, durante o governo Fernando Henrique Cardoso
- Orçamento: R$ 904 milhões (2024)
- Servidores: 1.667
- Diretores (e quando terminam os mandatos):
- Antonio Barra Torres, diretor-presidente (21 de dezembro de 2024)
- Meiruze Sousa Freitas (12 de dezembro de 2024)
- Romison Rodrigues Mota (12 de dezembro de 2025)
- Daniel Meirelles (24 de julho de 2027)
- Danitza Rojas Buvinich (substituta em vaga aberta)
Série faz raio-X das agências reguladoras
Este é o segundo episódio de série da Folha que detalha a atuação das agências reguladoras federais. O primeiro tratou da Aneel (energia elétrica). Ao todo, serão 11 reportagens para traçar um raio-X dessas instituições na regulação e supervisão de setores como energia, petróleo, planos de saúde, vigilância sanitária, transportes, mineração, águas, aviação civil e audiovisual.
Fonte: Folha de S. Paulo