As perdas impostas pela dependência do transporte rodoviário são incontestáveis: perde-se tempo, dinheiro e a carga que fica pelo caminho. Perde-se também com a manutenção dos veículos e com o desgaste das estradas. Ainda assim, a escolha desse tipo de modal a partir da década de 1950, com a construção de Brasília, não pode ser apontada como um erro. Naquele tempo, era a alternativa mais viável pelo custo e pela rapidez da construção. A crítica que se faz é que, ao longo dos últimos 60 anos, pouco se fez para ampliar o leva e traz de mercadorias por trens e barcos. Muito menos houve uma preocupação em integrar os diferentes meios de transporte.
Mestre em transportes e professor da Fundação Educacional Inaciana (FEI), Creso de Franco Peixoto conta que, nos últimos 60 anos, a malha ferroviária brasileira encolheu. “Em meados de 1955, tínhamos quase 40 mil quilômetros de ferrovias. Hoje são 30 mil. A extinção dos ramais ferroviários pouco eficientes se justifica. Contudo, a política se pereniza e continua a aumentar as rodovias em detrimento das ferrovias, um erro histórico”, explica.
Questões práticas ampararam a opção pelos caminhões. Na época da construção da capital, a malha ferroviária já existia. Faltavam estradas, especialmente pavimentadas. “Além disso, há a questão técnica: leva-se mais tempo para construir ferrovias que rodovias. Tem-se também a indústria automobilística — até hoje, ela é a segunda em importância, só perde para a construção civil”, analisa Bruno Batista, diretor executivo da Confederação Nacional do Transporte (CNT).
Duas iniciativas de avanço na matriz ferroviária ocorreram nas décadas de 1970 e 1980. A Ferrovia do Aço — ou Ferrovia dos Mil Dias — é um exemplo de desperdício de dinheiro público, estimado em R$ 3,5 bilhões. Boa parte está abandonada. Já a Estrada de Ferro Carajás (EFC), de 1982, foi inaugurada oficialmente em 1985. Um ano depois, iniciou-se o transporte de passageiros de São Luís (MA) até Parauapebas (Pará).
Coordenador do Núcleo de Logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende explica que o cenário atual tem duas causas bem definidas: a escolha dos governantes pelo modal rodoviário e a pressão de setores da economia pela manutenção do status quo. “Cometemos um erro ao achar que o orçamento público brasileiro daria conta de responder a toda essa necessidade de investimento. E o gestor público passou a ser o todo-poderoso dono do dinheiro e a usar esse poder para sua sobrevivência política. Investe-se no setor que mais o apoiará, e esse foi o rodoviário”, diz.
Além disso, há a pressão de setores da economia para que a estrutura se mantenha, ainda que já apresente sinais evidentes de saturação. O possível deslocamento do fluxo de granéis agrícolas do Centro-Oeste para o Norte, aproximando-os do Canal do Panamá, da Europa e dos Estados Unidos, causará reação de setores que atuam no corredor do Porto de Santos, por exemplo. “Eles têm poderes econômico e político e vão exercê-los de forma dramática para evitar o deslocamento de fluxo. É só você pensar: numa rodovia ruim, o borracheiro e o mecânico sempre faturam. Se ela é melhorada, esse ramo de negócio é afetado”, compara.
Futuro
Há alternativas para que o Brasil reescreva a infraestrutura de transportes. Especialistas apontam a integração dos modais e um planejamento a longo prazo para se realizar a transição. Nesse processo, precisa haver vontade política, projeto técnico arrojado e incentivos para que as empresas se adaptem a uma nova realidade.
Há uma forte corrente, encabeçada pela CNT, de defesa de uma parceria com a iniciativa privada. Na opinião da confederação, não adianta, por exemplo, dar concessão de ferrovias sem perspectivas de expansão da malha e sem um contrato juridicamente seguro, como foi feito na década de 1990, ou tentar colocar o governo como sócio, como ocorreu nas concessões dos aeroportos. Estudo da CNT aponta a necessidade de execução de 2015 projetos em todos os modais para melhorar a qualidade da locomoção de cargas e de passageiros. O investimento seria de mais de R$ 1 trilhão.
Creso defende a recapacitação das rodovias e a integração rodoferroviária. Foi o que fizeram as nações mais ricas do mundo. Algumas delas optaram pelo sistema de piggy back, um termo em inglês que quer dizer “levar no cangote” ou “no lombo do porco”. “É um sistema multimodal e, que você pega um contêiner ou um caminhão e o coloca no vagão até determinado ponto”, explica Peixoto. “Precisamos fazer a transferência de modais para reduzir a pressão para fabricar caminhões e aumentar o interesse para se construir vagões”, explica.
Fonte: Correio Braziliense.