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Mudança climática causará aumento de 7% na taxa de inadimplência do agro, diz estudo

Um novo estudo bancado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) simulou os efeitos futuros da mudança climática sobre as finanças do agronegócio no Brasil, e a notícia não é boa. O trabalho indica que, com maior instabilidade no retorno das safras, o risco do investimento será maior, e o risco de inadimplência deve subir até 7% em em duas ou três décadas.

Feito pela Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD) em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) o trabalho se baseou em dados de produtividade, receita e empréstimos reunidos pelo IBGE sobre o estado da Bahia de 1990 a 2017. Cruzando os com informações históricas do clima e projeções futuras usadas pelo IPCC (painel de do clima da ONU), os cientistas criaram um modelo preditivo e o aplicaram sobre cenários mais prováveis do aquecimento global ao longo do século 21.

Em artigo publicado hoje na revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA, a PNAS, os pesquisadores apontam que no futuro o agronegócio brasileiro terá sua “sazonalidade intensificada” e “choques locais” mais frequentes. Nas conclusões, sugerem que o resultado financeiro disso será um aumento da “volatilidade de receita e lucro”, ou seja, maior instabilidade para negócios.

O trabalho, liderado pela cientista Jennifer Burney, da UCSD, e coordenado por Alexandre Gori Maia, conclui que o efeito no sistema de crédito ao agricultor, por fim, será um aumento da inadimplência, num cenário que levará poucas décadas para se instalar.

— A projeção é que a inadimplência subiria em 7% dentro de poucas décadas, num cenário em que os bancos não ajustem o que estão fazendo e mantenham as mesmas políticas — diz a pesquisadora. — O que é surpreendente é que isso acontece ao mesmo tempo em que o impacto ttal sobre receita e lucro não é tão grande, mas a variabilidade causa um provavel aumento na inadimplência.

As simulações do trabalho foram feitas para até período entre 2040 e 2070. Os dados de empréstimos de agronegócio na Bahia foram escolhidos para calibrar as simulações dos pesquisadores por representar uma espécie de microcosmo do setor no Brasil, apesar de não ser o maior em receita.

“A Bahia representa a diversidade de biomas e sistemas agrícolas do país, com sistemas modernos de produção de grãos no Centro-Oeste e de frutas no Vale do Rio São Francisco, além de produção agrícola familiar de menor tecnologia no semiárido”, relataram os pesquisadores, que fizeram então previsão para o país calibrada pelo cenário baiano.

O resultado nacional foi preocupante, porque o clima é um fator muito bom para prever inadimplência.

“Encontramos maior variação de lucro e receita (incluindo um número maior de anos ruins e resultados piores) e maior inadimplência em empréstimos agrícolas em meados do século”, escreveram Burney e colegas no trabalho. Houve uma forte correlação entre crises locais no setor e variáveis climáticas de temperatura e chuva, mas sobretudo a segunda delas.

Problemas e soluções

Além de projetar as dificuldades futuras, os cientistas tentaram identificar os pontos mais sensíveis do sistema de financiamento e produção do setor, buscando possíveis remédios para a situação.

A melhor forma de os produtores conseguirem mais resiliência, dizem os pesquisadores, inclui uma reforma dos serviços financeiros e o fortalecimento de instituições de resseguros para aguentarem mais turbulências. Outro ponto crucial, dizem, é se antecipar a problemas de acesso à água, um insumo vital para a agropecuária que deve sofrer grande impacto com a mudança climática.

“Encontramos algumas evidências preliminares de que os investimentos em infra-estrutura de resiliência, como as cisternas enfraquecem a correlação entre as flutuações climáticas sazonais e o pagamento dos empréstimos agrícolas”, escreveram os cientistas.

— Mas preciso pensar gestão de água de maneira muito mais ampla do que apenas considerando infraestrutura — diz. — Os produtores considerar transformar os sistemas agrícolas de maneira que eles retenham água intrinsecamente. Isso pode ser, por exemplo, adotando sistemas agroflorestais ou cultivando palma forrageira para alimentar rebanhos, de forma que a água seja retida ali.

Burney afirma que uma outra mensagem importante do estudo é que esse aumento do risco em empréstimos para produtores rurais não será totalmente acomodado por instituições privadas.

— Minha preocupação é que instituições financeiras vejam isso e tomem uma decisão de curto prazo, com uma visão míope, e usem essa informação para barrar tomadores de empréstimos mais vulneráveis. — afirma. — Em um mundo melhor, as instituições olhariam os dados e pensariam em desenvolver novos produtos financeiros que agreguem tecnologias de resiliência aos empréstimos.

Fonte: O Globo

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