
Dois arquitetos da Fundação para a Pesquisa em Arquitetura e Ambiente (Fupam), que trabalham na revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo em Campinas (SP), são também sócios de uma empresa que prestou consultoria urbanística para a concessionária do Aeroporto Internacional de Viracopos. Com o terminal aéreo em fase de obras de expansão, a participação dos técnicos em ambos os projetos, levantou questionamentos sobre um possível conflito de interesses. A administração foi questionada pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano e por meio de requerimento parlamentar sobre o assunto, mas nega que as atividades sejam conflituosas e causem qualquer prejuízo no processo.
A Prefeitura assinou contrato com a Fupam em 6 de maio deste ano, ao custo de R$ 1,6 milhão, para que os arquitetos vinculados à Universidade de São Paulo (USP) ofereçam apoio técnico na atualização e adequação da regulamentação do espaço urbano de Campinas. No contrato, fica estipulado que a fundação deve ter três profissionais de arquitetura e urbanismo com experiência, um profissional de direito e outros consultores a serviço do estudo.
Entre o corpo técnico escalado para essas vagas no Plano de Trabalho, disponível no portal da Secretaria de Planejamento, aparecem os nomes de Renata Semin e José Armênio de Brito Cruz. Ambos são sócios da empresa Piratininga Arquitetos Associados, que foi contratada em dezembro do ano passado para fazer um estudo urbanístico que avalia o impacto da expansão do terminal aéreo de Campinas no entorno do sítio aeroportuário.
Viracopos tem a intenção de aplicar ao entorno do sítio aeroportuário o conceito de aeroporto-cidade, que consiste em agrupar a estrutura urbana próxima ao terminal, por meio, por exemplo, da construção de shoppings, hotéis e centros de convenções. A Lei de Uso e Ocupação do solo regulamenta, justamente, o tipo de atividade que é autorizada em cada fração do espaço urbano.
Conflito de interesse
O professor de Direito Administrativo da PUC-Campinas Josué Mastrodi explica que, em tese, do ponto de vista legal, não há nenhum problema na contratação da Fupam por parte da Prefeitura, considerando, inclusive, que este serviço pode ser feito sem licitação. Apesar disso, ele salienta a pertinência do Executivo em rever o contrato diante dos vínculos de parte da equipe com a iniciativa privada.
O município pode ficar refém de interesses privados, porque nada garante que os resultados sejam os mais adequados ao interesse público” – Josué Mastrodi, especialista em Direito público.
“Se por acaso fica caracterizado que a fundação possui pessoas interessadas em direcionar o resultado do relatório, a partir do momento que existe essa suspeita, seria altamente pertinente rever este contrato”, explica.
Mastrodi lembra que esta seria uma postura de precaução da administração municipal para evitar eventuais desvios no resultado da consultoria. “A partir do momento que fica claro que a empresa contratada pela Prefeitura possui pessoas lá dentro altamente interessadas em um resultado, o município pode ficar refém de interesses privados, porque nada garante que os resultados sejam os mais adequados ao interesse público”, falou.
‘A cidade não é só o entorno de Viracopos’.
Para a arquiteta Débora Pinheiro Frazatto, integrante do Conselho de Desenvolvimento Urbano de Campinas, o conflito de interesses é “óbvio”. “Eu não estou querendo dizer que eles não possam fazer boas propostas. Eles vão fazer uma proposta vinculada com a proposta que já foi feita para o aeroporto”, opinou.
Na avaliação dela, que também é do conselho diretor do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), os técnicos envolvidos têm competência para atuar na revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo, mas não podem estar nos “dois lados do balcão”. “A cidade não é só o entorno de Viracopos, a cidade é também o entorno de Viracopos”, disse.
Requerimento do Legislativo.
O vereador do PT, Pedro Tourinho, que é oposição ao prefeito Jonas Donizette (PSB) na Câmara, explica que elaborou o requerimento para questionar, por exemplo, como a Prefeitura vai fiscalizar o contrato com a Fupam. “Como será garantido que o interesse que está na realização de um empreendimento X não vai ser de alguma forma representado dentro da revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo? Eu enxergo um conflito de interesses”, disse.
No requerimento ele cita, ainda, o coordenador do estudo da Fupam, o arquiteto Luís Antônio Jorge que, além de integrante da fundação, também é sócio em um escritório de arquitetura de Campinas, que assina dois projetos de grandes empreendimentos que aguardam aprovação da Prefeitura de Campinas. O G1 entrou em contato com o técnico, que explicou que não trabalha mais ativamente à frente dos projetos da empresa dele, a Casa de Arquitetura.
Além disso, Jorge salientou que os empreendimentos do escritório particular dele serão avaliados a partir da Lei de Parcelamento do Solo vigente atualmente, e que esta análise não tem relação com a Lei de Uso e Ocupação do Solo, que é revisada pela equipe dele na Fupam. Ele afirmou, ainda, que o trabalho desenvolvido pela fundação tem caráter propositivo e depende ainda da aprovação da lei junto à Câmara de Vereadores.
O que dizem os envolvidos.
A reportagem entrou em contato com a Fupam, para questionar os critérios de escolha dos profissionais que trabalhariam no projeto para a Prefeitura de Campinas e saber se a entidade tinha conhecimento do vínculo dos técnicos com projetos da iniciativa privada que poderia, eventualmente, se beneficiar com a nova legislação. Por email, a diretora-presidente da fundação, Edith Ranzini, explicou que o contrato foi firmado na gestão anterior. Contatada na tarde desta terça-feira, ela afirmou que dentro de dois dias conseguirá detalhes sobre o processo de contratação e, então, se manifestará.
O sócio da Piratininga José Armênio de Brito Cruz avaliou que não há nenhuma “contradição” no exercício das duas funções. “Nós somos técnicos, eu não ajo em função de interesse privado nenhum. Estou medindo o que é bom para o desenvolvimento da cidade de Campinas dentro da técnica do urbanismo, do desenvolvimento”, defendeu.
Segundo Brito Cruz, o trabalho feito para a concessionária de Viracopos foi norteado pelo interesse público e, durante a execução, houve o diálogo com diversas secretarias municipais. “Sabemos por exemplo a necessidade da preservação das nascentes em torno do Capivari-Mirim”, ressaltou.
“Nós somos técnicos, eu não ajo em função de interesse privado nenhum” – José Armênio Cruz, sócio da Piratininga.
O arquiteto disse ainda que tanto ele quanto Renata Semin foram escolhidos para atuar na revisão do plano de uso e ocupação do solo porque ambos têm “conhecimento de experiências similares”. “Trabalhamos com programas públicos no Estado de São Paulo e na Prefeitura de São Paulo em diversos momentos. Já trabalhamos em diversas leis de operações urbanas aqui em São Paulo”, afirmou.
Para o secretário municipal de Planejamento, Fernando Pupo, “uma coisa não tem nada a ver com a outra”. “Por que teria conflito? Essa é uma decisão que não é nossa, é uma decisão da Fupam de contratar [a Renata Semin e o José Armênio de Brito Cruz], assim como está contratando o trabalho de diversos técnicos”, disse.
Na avaliação dele, os trabalhos podem se somar e o papel da Prefeitura é fiscalizar se o contrato está sendo cumprido e se há irregularidades no processo. O titular da pasta afirmou ainda que já tinha conhecimento que Brito Cruz é sócio do escritório Piratininga.
O G1 contatou também o gabinete do prefeito, mas a assessoria de imprensa afirmou que ele não se posicionará sobre o assunto além do que o secretário já falou. A direção de comunicação afirmou, ainda, que o Executivo não recebeu o requerimento do vereador Pedro Tourinho e, assim que isso ocorrer, o documento será avaliado pelo corpo jurídico para dar andamento às solicitações do parlamentar.
Sobre o assunto, a administradora do aeroporto afirmou que escolheu a Piratininga para a consultoria após avaliação de outras empresas que atuam no segmento. “A concessionária de Viracopos, empresa de capital privado, desconhece o mencionado contrato entre Fupam e Prefeitura de Campinas.”, diz a nota enviada pela assessoria de imprensa.
Fonte: Do G1 Campinas e Região.