Pelo quarto ano consecutivo, o mercado financeiro começa a revisar para cima as projeções de crescimento da economia brasileira. As estimativas de alta do PIB neste ano, que hoje estão em torno de 1,6%, segundo a mediana do Boletim Focus do Banco Central, devem se aproximar dos 2,2% estimados pelo Ministério da Fazenda.
O secretário de Política Econômica, Guilherme Mello, diz que os dados recentes de atividade têm referendado o cenário da pasta e que a projeção ainda pode subir após a divulgação do PIB do quarto trimestre de 2023, no mês que vem.
Nesta semana, diversas casas de investimentos e bancos já começaram a revisar as projeções para cima. O banco de investimentos UBS BB melhorou a estimativa de 1,4% para 2%. O economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, alterou a projeção de 1,87% para 2,04%. Alexandre Manoel, da AZ Quest, subiu de 1,6% para 1,8%, mas diz que o viés é de alta.
Sérgio Vale, da MB Associados, por ora mantém o número de 1,7%, mas afirma que a taxa deve ficar maior, em torno de 2%. O banco BTG, que hoje prevê 1,7% de crescimento, também diz que a taxa será revista para cima. O entendimento é o mesmo no Itaú Unibanco.
Nosso PIB está em 1,8% para 2024. Mas, como destacamos no último cenário, divulgado em 5 de fevereiro, temos um viés altista, com perspectiva melhor para o crédito à pessoa física e crescimento global mais elevado — disse a economista Natália Cotarelli, do Itaú.
Consumo mais forte
A divulgação do PIB do quarto trimestre de 2023 pelo IBGE, no dia 1º de março, deve acionar o gatilho das revisões entre bancos e consultorias. Esse dado é importante para saber em que patamar a economia brasileira estava girando no fim do ano passado, além de servir de parâmetro para o chamado “carregamento estatístico” para 2024. Ou seja, a influência do PIB de 2023 sobre o PIB de 2024.
Também há o entendimento de que o consumo em 2024 será mais forte, amparado pelo pagamento dos precatórios pelo governo — foram mais de R$ 90 bilhões que ficaram disponíveis para saques neste ano. Precatórios são dívidas do governo determinadas pela Justiça para as quais que não cabe mais recurso.
O governo Jair Bolsonaro havia limitado o pagamento desses débitos até 2026, mas a gestão Lula decidiu antecipar e quitar o estoque devido. Além disso, o consumo deve ser impulsionado pelo pagamento de dívidas, com a redução dos índices de inadimplência, pelo reajuste do salário mínimo e por programas sociais como o Bolsa Família.
— Nosso número oficial é 2,2%, mas ele pode subir, a depender do resultado do quarto trimestre (do PIB). Agora, mais importante do que tentar cravar o dado é entender que a composição do crescimento este ano é mais sustentável, puxada pelos investimentos e com recuperação da indústria — afirmou o secretário Guilherme Mello.
A melhora nas projeções começou após a divulgação do índice de atividade do Banco Central, o IBC-Br, no início desta semana. O crescimento foi de 0,82% em dezembro, pouco acima do esperado, com revisões para melhor também dos números de novembro e outubro.
Esses dados tornaram menos provável a hipótese de o PIB ficar negativo no quarto trimestre de 2023, o que durante muito tempo vigorou na planilha dos economistas. Agora, a expectativa é que fique estagnado ou ligeiramente positivo.
Alexandre de Ázara, economista-chefe do UBS BB, tem uma das visões mais otimistas do mercado para a inflação, o que também vai ajudar o cenário no ano. Ele entende que o IPCA de 2024 vai encerrar no centro da meta, em 3%, o que permitirá ao Banco Central reduzir a Selic dos atuais 11,25% para 8% até o fim do ano, um ponto a menos do que o previsto pelo Boletim Focus — que reúne cálculos de aproximadamente 160 instituições financeiras.
Luis Otávio Leal, economista-chefe do G5 Partners, diz que desde outubro de 2023 já previa um crescimento de 2,1% neste ano, maior do que a mediana do mercado. Enquanto 2023 teve impulso do agronegócio e dos gastos promovidos pela PEC da Transição, 2024 terá os efeitos da queda da Selic, que começam a chegar na ponta.
Leal estima que o PIB do quarto trimestre de 2023 vá crescer 0,1%. Caso o número venha melhor do que isso, ele pode revisar sua estimativa para 2024.
— A gente já sabia que em 2024 não haveria a ajuda do agronegócio. Mas teremos juros em queda e recuperação do mercado de crédito. Isso favorece o consumo. Além disso, o investimento vai aumentar. Isso explica por que já estávamos mais otimistas — comentou.
Efeitos secundários
Perguntado sobre por que o mercado financeiro tem sido pessimista nas estimativas, Mello acredita que há dificuldade de os modelos captarem efeitos secundários de crescimento, que podem vir de setores como o agronegócio e programas de transferência de renda:
— Ninguém erra porque quer, e nós também erramos. No mercado, quem acerta mais ganha mais dinheiro. Então não acredito que haja má-fé ou algo do tipo. Há mesmo uma dificuldade de se captar os efeitos secundários do crescimento de alguns setores, principalmente depois da pandemia.
Para ele, o que mais importa é perceber que há agora uma convergência de visões em torno do crescimento:
— O cenário do mercado está ficando mais próximo do nosso, com expectativa de crescimento baixo no primeiro semestre e aceleração a partir do terceiro trimestre.
Silvia Mattos, do Ibre/FGV, e Nicolas Tingas, da Acrefi, porém, ainda adotam um tom de cautela. Silvia diz que continua prevendo alta de 1,4% em 2024, enquanto Tingas, de 1,8%.
— As sondagens do Ibre neste início de ano vieram mais fracas, e, por ora, vamos manter o número. Mas a economia, mesmo crescendo menos, vai a acelerar ao longo dos trimestres — afirmou Silvia.
Embora os números sejam mais altos, os economistas ponderam que o patamar ainda é baixo para as necessidades de crescimento do país e, por isso, dizem que é preciso continuar buscando o equilíbrio fiscal e a aprovação da agenda de reformas, tanto macro quanto micro, no Congresso.
Fonte: O Globo